Agora já não chove, ainda assim os pombos mantêm-se arredados. Sem eles, podem ter vez os pardais que também ali querem ver de vida. Um dos mais pequenos faz um voo súbito, parabólico. Sobe a pique, perde a velocidade, arqueia; interrompe a descida ao pousar na mais distante das quatro figueiras. Debica um dos últimos frutos com grande rapidez, vigilante.
A água acelerou a queda das folhas, as copas estão quase despidas. A vizinhança entrevê-se outra vez. Ela suspende o correr dos cortinados. Dá um passo atrás, aquieta-se. Observa. O pardal permanece mais uns instantes. O que resta do figo está prestes a tombar. Em baixo há erva saturada, folhagem indistinta, acamada.
A luz quebra. Ela deixa-se ficar. Revê o passeio. Pouca gente, pouca música, quase nenhum barulho. Mármore, calçada, lama, alcatrão. Nuvens baixas, fios eléctricos, graffiti de fraca forma e concordante conteúdo. Recorda outras árvores, outros frutos. As landes dos sobreiros no cerro pequeno. Esperava o regresso da impressão quase física de cerco, por isso faz por rejeitá-la.
Recolhe à sala, senta-se. Inspira devagar. Figura-se mais uma vez entre os sobreiros. No chão ainda muito verde vê o pontilhado castanho das pequenas bolotas. Distante de há tantos anos não pensar nela, recorda com surpresa outra cor - prata. O fruto no fio de prata. Não recorda ao certo quem o deu, se o comprou. Recorda a parte do provérbio árabe que diz que a palavra é de prata. Vai ao quarto, abre uma das caixas de madeira. Coloca o fio ao espelho, inclinando o pescoço, evitando emaranhá-lo no cabelo.
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