a vida depois da vida / eco em museu / canção-vitória / letra empoada / melhor que nada / é memória

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Mafra, Terreiro D.João V

    Chega-me uma claridade baça, ainda vaga, à saída principal; desconfio, mas aceito o pressentimento de um tempo melhor. Abre-se nessa fracção tempo um espaço igualmente curto, e sei que é precioso. Nele cabe o tanto quanto acordar em dia de aniversário infantil. Há um entusiasmo, uma emoção volátil, incontida. Reconheço-a: é a renovada promessa da Primavera que o final do primeiro dos meses traz. Graças a Deus que ainda dou por ela.

quinta-feira, 8 de junho de 2023

Lisboa, Caminho dos Flamingos

São duas e um quarto, regressamos do almoço sem grandes pressas. Indisfarçavelmente cansadas, cansados. Abrimos a porta, entramos, pastoreamos os que estão; eles sentam-se. 

Pressente-se o que vem a seguir. Dizemos o que há a dizer e pronto - acabou-se. Vê-se nas suas expressões: há uma perplexidade inédita, uma ressaca esquisita. Súbita. Hesitam. Porque reagem só agora? Sabiam que estávamos a acabar. 

Este foi um ano estupidamente encarneirado, caraças. Tão picado nas pequenas coisas. Será que os miúdos têm essa noção? Pensarão em nós? Nas senhoras da cantina? Nos vigilantes do corredor? Será que comparam este ano com o anterior?  Um ano e um mês depois de caírem as máscaras, lembrar-se-ão? Passarão anos sem que saibamos, se bem calhar.

Os tímidos e os difíceis são os que vêm por um abraço (ou um high-five embaraçado). Os outros não. Estamos todos pegajosos. Uns vêm atrasados da bola, outros pedem que se ligue o ventilador. Professora, se ela sabia que se ia embora, porque é que ficou mais minha amiga? Até depois! Até para a semana. Ainda nos vemos, não é? Há as aulas de preparação das provas. Ainda nos vemos, não é? 


É, pois. 


Ainda nos vemos.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Lisboa, Via do Oriente

     Dois meses. Não sabia já o que esperara, para ser sincera. Elogios? Interrogações? Não sabia mesmo. Sentira tanta curiosidade sobre o que poderia acontecer. Algo, um sinal qualquer. Comentários, uma ou outra palavra.


E nada. 


Nada. 


     Ao cabo de nove semanas, apagou o giz líquido de uma assentada, em hora de ninguém dar por isso. Em final de dia corou, embaraçada pela pretensão. Porque haveriam de ler? De reparar? Têm mais que viver, ora. 

Que faz ela? Correções, correio? Está ali sempre, sempre, sempre.

     Essa ela organizava o dia. Revia o que fez, o que ouviu. Pensava no que poderia ter feito melhor. Agradecia com bastante força pequenas e importantes alegrias. Bebia chá. Sentia menos dores.

     Como sempre que assim é, sentia o corpo a acordar. De fronte, rentes ao rio, as máquinas amarelas (como o giz líquido já limpo, orgulhosamente retirado) abriam o seu próprio caminho. A paisagem passou a ser outra. Cargas e descargas, rega, terraplanagem. Ali dentro, o poema apagado no vidro nascera de uma dúvida boa, em dia de tempo melhor. Que procuravam os miúdos? Que faziam monte acima? Teriam saltado o muro?  A resposta possível, chamada "Fila Indiana", seguia assim:

Há luz

algum calor

galgam em ganga

a pequena colina

seguem

espantosamente

em fila

em flor

e há sol

e ao sol

uns dez,

dois anos depois,

deixam enfim 

atrás a espera

à primeira

Primavera.

domingo, 20 de junho de 2021

Mowgli

1894 é lá longe. Madhya Pradesh também. Ainda assim - terá sido possível, mais uma vez, a sobrevida de um menino-rã? 

Ajudei a criar alguns miúdos e miúdas lendo o essencial no Livro da Natureza. Eu e tantos outros, vestidos da mesma maneira. Investidos de igual modo. Stephe pediu a Kipling a bênção, e ele lá deu. A nós coube  brincar com eles mais de cem anos depois, com o descuido possível. Meus Deus. Estradas, machados, serras, tempestades, índios, salmonelas. Alguém nos guardou, suponho.

O espanto que havia. Chuva de repente e à cabeça, dentro do rio. Transpiração costas abaixo. Camisas a escaldar contra o alcatrão. Razias de morcegos ao rés dos cabelos. Formigas e aranhas por todo o lado, pelo chão. Pirilampos a alumiar à luz da lua. Apitos de gente cheia de medo dos javalis. Vento a trazer folhas negras, cheiro intenso a fogo ardido.

Como é possível ser frágil e andar adiante? Seguir sem parar? Sobreviver?

Não sei

mas é.

Sei de ciência

certa,

é.


quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Lisboa, Rua da Cotovia

No outro dia aprendi uma palavra nova. Claviculário. Estávamos ainda à mesa, já jantados ou pela fruta. O nosso era aquele falar de quem não se via há meses: de início graças, trivialidades, vida de casa; depois, (pre)ocupações. A dada altura guinámos ao muito que o mundo parece estar a mudar, à fragilidade de um sistema, de qualquer sistema. E aí ele disse que não. Nem tudo é frágil. Que havia formas antigas de garantir a proteção do que é precioso. Eu fui claviculário, disse. Depositário de uma das chaves de um cofre. Explicou que lá tudo estava seguro porque uma chave não bastava para o abrir, só a par isso era possível; para mais, as cifras eram guardadas em local desconhecido. Nunca contei isto a ninguém, rematou. 

Demorei dias a perceber o que esta palavra nova tinha que ver connosco. Só a entendi, só se tornou minha depois de nos rever com o vidro de permeio no parque de estacionamento e o vidro nem importar muito. Na amizade, no viver entre pessoas que verdadeiramente se entendem, as cifras estão guardadas num local desconhecido. E o que é mais valioso só se abre quando duas chaves rodam a um tempo.

domingo, 8 de novembro de 2020

O fruto no fio de prata

Agora já não chove, ainda assim os pombos mantêm-se arredados. Sem eles, podem ter vez os pardais que também ali querem ver de vida. Um dos mais pequenos faz um voo súbito, parabólico. Sobe a pique, perde a velocidade, arqueia; interrompe a descida ao pousar na mais distante das quatro figueiras. Debica um dos últimos frutos com grande rapidez, vigilante. 

A água acelerou a queda das folhas, as copas estão quase despidas. A vizinhança entrevê-se outra vez. Ela suspende o correr dos cortinados. Dá um passo atrás, aquieta-se. Observa. O pardal permanece mais uns instantes. O que resta do figo está prestes a tombar. Em baixo há erva saturada, folhagem indistinta, acamada. 

A luz quebra. Ela deixa-se ficar. Revê o passeio. Pouca gente, pouca música, quase nenhum barulho. Mármore, calçada, lama, alcatrão. Nuvens baixas, fios eléctricos, graffiti de fraca forma e concordante conteúdo. Recorda outras árvores, outros frutos. As landes dos sobreiros no cerro pequeno. Esperava o regresso da impressão quase física de cerco, por isso faz por rejeitá-la. 

Recolhe à sala, senta-se. Inspira devagar. Figura-se mais uma vez entre os sobreiros. No chão ainda muito verde vê o pontilhado castanho das pequenas bolotas. Distante de há tantos anos não pensar nela, recorda com surpresa outra cor - prata. O fruto no fio de prata. Não recorda ao certo quem o deu, se o comprou. Recorda a parte do provérbio árabe que diz que a palavra é de prata. Vai ao quarto, abre uma das caixas de madeira. Coloca o fio ao espelho, inclinando o pescoço, evitando emaranhá-lo no cabelo.

domingo, 25 de outubro de 2020

Hibiscus sabdariffa


[Jean Théodore Descourtilz (1796-1855), Histoire naturelle des plantes usuelles des colonies françaises, anglaises, espagnoles, et portugaises, 1833.]


Hibisco, dente-de-leão, uma pequena casca de limão no final da fervura. O sabor é acidulado, forte. O limão ameniza o travo aos botões da flor encarnada. A cor da infusão leva-a ao pátio calçado a pedaços de mármore, à sombra de uma das três laranjeiras que acompanhavam o muro da casa no gaveto da aldeia. Ali-além era o sítio de brincar com as colheres, as chávenas, os pratos. Lembra-os com exactidão, tão vivos no seu rosa e verde e azul que a impressão da cor oferece sabor também. A tosse cede - acaba sempre por ceder. O mal-estar demorar-se-á um pouco mais, o costume. Um outro trago já só morno conforta-a, mesmo sem lhe dar prazer. Prazer. Assim que o evoca, estranha. Mede a distância dele a si, agora. E estremece.

domingo, 28 de junho de 2020

Massamá, Rua Dr. Francisco Ribeiro Spínola

"Se não gostasse, diria - sim." 

Muito anos para chegar a isto sem mentir, sem querer reactivamente agradar, apaziguar. O correr do almoço haveria de interromper a conversa em primeira mão, sem mal. Tempo há-de haver. Haverá.

A contar havia o que acontece longe do figurativo. Provavelmente nada de novo: a percepção de que o que vejo é projectivo, trazendo à tona sobretudo quem vê. Sem outra educação, a mais não há como chegar. 

Tendido e lêvedo, o tempo distante dos meus foi inicialmente suportável com voltas a pé-posto na colina para a qual olhei tantas vezes enquanto crescia. Não é pura, não é bonita, já nem sequer é bucólica. Ainda assim, sobreviveu inalterada porque a alta e média tensão impediram o loteamento, a construção. Ali sobraram as últimas hortas e prados forrageiros que os antigos caseiros não deixaram de aproveitar. Só nesta emergência viral a vizinhança deu uso aos caminhos com sincera sem-cerimónia, em recurso.

O que vi no desenho foi o eco destes dias, da colina - verde e azul,  acantos e cardos. Com o calor do fim de Maio esmaeceram as azedas, as papoilas, os pampilhos, até a soagem. Ficaram acantos e cardos. Os cardos, fortes e crespos, que em miúda ainda vi queimar entre restos de tijolo, vigas de ferro e pequenos rebolos de cimento, nas últimas fogueiras sanjoaneiras do bairro. Os acantos, inesperados no meio do mato entretanto crescido. Um aqui, um além. Nunca pensara em acantos, nunca os vira fora de um capitel coríntio, de uma sala de aula ou viagem entre ruínas do mundo greco-romano. Demorei a encontrar explicação. Também eles uma projecção,  certamente semeados pela ventania dominante da banda da Quinta do Porto, lá onde o irmão-doutor de um dos últimos marechais nacionais mantinha o seu recatado jardim botânico.

Verde e azul, acantos e cardos.

sexta-feira, 13 de março de 2020

A Espanhola

Figuro agora o meu avô Luís bem moço, moreno, peito feito e assobio seco no regresso da vila.  Muito longe do dia em que se adivinhou o último dos ferreiros da aldeia.
O compasso das botas cardadas terá alentado quase de repente. Que caravana, senhores. Uma coisa é ouvir dizer. Fazer, quase nada. Tirar o chapéu e baixar os olhos com tenção. Uma impressão assim  não passa. Tanto anos depois repetiria uma e outra vez à filha, a meia-voz, a tarde em que contou oito esquifes da Portela à Matriz.

[um beijo]

Mas bom, / concordarás / comigo - / nos tempos / que correm / um beijo / é / um perigo.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Ferro Crómio Níquel

Tombado ao balcão, o café sobressaltou-a; o entendimento do porquê não lhe foi imediato. Distraiu-a, antes de mais, a emoção plástica no colega à sua direita. Um derrame visto não como um incómodo, um desperdício, antes uma emanação irisada, involuntariamente bela no seu castanho-cambiante,  metálico. Um valor a fixar em foto, prontamente frustrado pela competência sanitária da simpática auxiliar. 
A ocupação de fundo, porém, ali à sua esquerda, pressentia-a agudamente desde o primeiro dia, dispensava observação directa. Um súbito senso de reconhecimento a negro, passos ritmados, felídeos. Familiaridade física, comoção sem evidente razão de ser. Desse ao anterior sobressalto, um ápice: trinta e muitos anos antes, balcão tal qual, derramara com ímpeto café fervente sobre a sua própria roupa, até à carne. Observou então, por prova de vida, o topo interior do braço. Tantas vezes tomado por marca de vacina, na pele restou aquele círculo esbatido, como papel molhado por uma única gota de água.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Lisboa, Jardim do Campo Pequeno

Cruzei este rossio rumo ao trabalho, ao comboio, ao cinema. Fiz a esquadria completa ou parcial desta forma franca e arbórea em estados de espírito tão diferentes. Em apuros, absorta, de afogadilho, ao rés do riso, em feliz polifonia. Acabei de me criar por aqui, entre amigos mais afins e conjurados que os da infância, talvez. Foram e ainda são avenidas novas,  estas.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Lisboa, Passeio do Tejo

Sete anos e sete meses depois, muito mudou. Ganhei as manhãs. Vejo a bruma do rio levantar ao compasso do sol, sem sacrifício. Coisa nenhuma me dói em horário completo. As palavras não me encandeiam (ave, Cesariny) a cada locução. Ainda me falha a voz, por vezes não sustento o olhar, desaprendi a mecânica das conversas simples. Mas vá - adiante.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Wee Hours

Tanta mas tanta estrada. Com a chuva, sapos pequenos a atravessar. Muito escuro, carvão a fazer.

Couço, Rua do Comércio

Esta malta do à noite a estudar é cá um desenjoo da gente do haver. Chegada a horas, maneiras,  disposição; algum receio, mas também ânsia em fazer melhor. 
Idades, pela minha. Pouco menos, pouco mais. Uns paridos sem querer, outros dados, outros criados a amor. 
Trabalhos incertos desde os doze, treze, logo à saída da telescola. Períodos geralmente curtos em França, Inglaterra, Suíça. Os que não: muito tomate, pimento, cortiça, vala aberta, condução, limpeza. Depois a vida; família feita, uma ou mais. 
Andar para a frente? Tentar voltar a aprender, escrever história de vida. Organizar papéis, falar com os mais velhos. Recordar agravos, perdas, chumbos, portas fora. 
Que faço eu agora ali, a mostrar carreiro? Tantos anos toda ortografias, toda sintaxes, agora toma lá. Revisora pica erros e faltas de quem é mais no arriscar que ela, no arriscar dizer não muito bem coisas difíceis, prestes a receber reparo. Aprende, Cláudia.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Backlog

Quase um ano não dito. Não por querer. 
Por querer foi, digo, mas não de caso pensado. Muito houve. Tanto sempre há, pois. A ver.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

A13, Km 30

Está quase escuro e o calor ainda não vergou. Levo mais de uma hora de caminho. Cruzo o Tejo, a Vala de Alpiarça, a Ribeira de Muge. Depois o Sorraia, a Ribeira de Santo Estêvão. Vou para a charneca. O luz que foge deixa entrever o bonito que isto é. 

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Wee Hours

Voltar a casa mudou. Isto não antecipei. Estava certa de que os lugares que nos dizem respeito permanecem os mesmos para nós. Talvez não. Sente-se a ausência dos que nos são queridos, primeiro; o passar do tempo nos objectos conhecidos, depois. Um ar por renovar. A renovar.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Estremoz, Largo dos Combatentes da Grande Guerra

Pensei que seriam vésperas, mas não. O terço seguia a meio na igreja de São Francisco, à cabeça daquela cruz latina tão bem definida. Que olhos não escapariam imediatamente para a esquerda, para o volume dourado que adiante se descobre? Uma árvore de Jessé, pode-se ler. Não conhecia. Não recordava sequer Isaías, troncos, rebentos. E ali está, sinuosa e escamada ao reparar mais vagaroso. 

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Agora

É uma língua que não chega à automação, o presente. Um esforço contínuo, espécie de concentração particular  da qual tiro modesto proveito.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Vila de Rei, Rua do Capitão-Mor

Conseguimos chegar quase todos aqui. Corre tanto, o tempo. As camélias abrem, sempre gostaram deste frio. À flor do dia é  tão clara a distância que vai de quem está bem para quem não. Deus seja por todos.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Cronos, Kayros, Aeon

Ainda que entenda e viva a necessidade de comunicar, inquieta-me de modo primário a perda do valor corpóreo do silêncio, a rejeição de qualquer forma ritual. 

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Lisboa, Rua Abranches Ferrão

Pesa-me a idade, o corpo, a consciência, pesa-me o que vou conservando para dia melhor sem razão especial. A quem servirá, este impulso de guardarmos tantas coisas por perto, para não serem esquecidas?

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Wee Hours

E por vezes acordo como quem está prestes a lembrar-se de qualquer coisa fundamental. Procuro razões próximas, tarefas, consultas. Nada. Só este alarme físico - uma atopia para além da pele.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Sintra, Alto do Chão Frio

No estacionamento uma miúda finca pé à mãe - do banco do carro não arreda, não entrará no cemitério. O que mais sobra por aqui são vestígios desses: campas por colocar, covas abatidas, montes sem flores verdadeiras.  Este costume, velho de séculos, quem o observará, daqui a trinta anos? 

domingo, 2 de novembro de 2014

Massamá, Travessa Ruy Cinatti

Vários já foram adiante, hoje é dia de o(s) lembrar. Aparentemente repentinos, são sempre os mais recentes que nos pesam. Se os vimos, acarinhámos; se os tratámos o bastante. Não sei. Peço por que sim, que estejam bem.     

domingo, 19 de outubro de 2014

Metro, São Sebastião

A cidade está lavada, o que não durará. São os dias nos quais cada qual usa a estação do ano que quer, não a que o calendário diz.

Montemor-o-Novo, Rua da Horta das Almas

Onde se põe, esse impulso de cuidar de quem precisa de algo bem para lá da nossa mão? Que fazer ao instinto de proteger quem na verdade não pode ser protegido?

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Lisboa, Rua Serpa Pinto

Não se pode dizer que galgue com grande facilidade da alegria à contra-costa, mas já senti acontecer. Como quando (ali) não estive à altura do que consegui começar, ou como quando (aqui) não tive certeza de entender o que se deu. A seguir vem uma ansiedade que embacia tudo. 
Depois nunca sei que fazer.      

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Wee Hours

Continuo a sonhar com detalhes consideráveis mas muito prosaicos. 

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Arquivos

Tento reconstituir a lista de blogues - uns vivos, outros idos. Tinha escrevinhado o hipertexto num ficheiro, por isso tentei repô-la tal qual. O blogger estranha. Que mania, a da actualidade.

domingo, 5 de outubro de 2014

Em manutenção

Digamos que f##i inadvertidamente o meu querido template - cor, cabeçalho, links, tudo ao ar. Já o pc tem laborado num computedo lamentável, lentíssimo, pelo que não sei se não está à beira da morte natural. Isto é capaz de demorar.

   Logo agora que ando a aprender a perder a paciência.   

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Lisboa, Estrada das Laranjeiras

O movimento compassado dos miúdos do liceu pelas ruas compõe a mais feliz das impressões que Setembro agora me traz. Não está frio, quase não há testes nem trabalhos. Há tempo. Há-os sentados por todo o lado em conversa, passeio. Qual deles conjurará este ar tão ameno? Quem será outro em Outubro? E há os rapazes ainda capazes desse acto de gentileza clandestina - a companhia à miúda até à esquina da sua rua, paragem, estação de metro. E a demora impossível na despedida. Só e tudo, até ao outro dia.

sábado, 27 de setembro de 2014

Tantos anos

Pensei que me aconteceria mais adiante mas não. Bastou uma aluna salmodiar bem. Os de sangue crescerem em graça. Certo verso certo. A mim, esse choro simples e sem embaraços já alcançou.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Leiria, Rua Luís Braille

Uma das minhas tias que têm o vício da franqueza está a caminho dos noventa. A idade é um posto, a imunidade quase total. Deu-me há dias uma desanda bem dada, a mim e aos da minha geração: que não respondemos às cartas na volta do correio, quando ainda as sabemos mandar. Ia dizer que não, mas a verdade é que é verdade, sem ai nem ui.

Massamá, Rotunda Augusto Rendeiro

Muito mudou aqui, neste tempo. As lojas no centro, a face e a forma da estação, o sotaque dos vizinhos, a ementa nos restaurantes, o carteiro, o cheiro do pão. A arrumação da livraria, as crianças, as teclas dos multibancos. Eu. Não sei se muito, se o suficiente, se só por reacção. Tanto ou mais em trânsito.

C.2004

Este lugar fez dez anos. Não sei por que me continua a importar tanto. Venho cá pouco, eu e quem quer que seja. Ainda assim, sei que ainda não está acabado. Sinto que não acabou. 

[Eva Cassidy, Anniversary Song, «Time After Time», Steven Digman, c.2000]

terça-feira, 9 de setembro de 2014

EN-4, Km 18, Fonte da Senhora

É bom estar entre velhos e crianças, gente que não (se) ocupa todo o dia todos os dias com quase tudo. Não esperava que isso afiasse tanto a falta que me fazem os do meu tempo. Tanta, tanta falta. O que custa não poder ter esse vagar.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Ofícios


Nunca as soube fazer bem, mas sempre gostei de as fazer, as colagens. A cada caderno de trabalho reincido, jogando um jogo que não entendo bem.

sábado, 26 de julho de 2014

Argumentos

Sob a verdade possível fica um vão de medos, e o que mais lá há são fios de conversas que não deram pano para mangas. Ouvia hoje alguém repetir-me uma conversa simples, limpa, feliz e pensei nisto com o coração, todas as conversas que quis ter, cafés, gelados, mensagens sem retorno, que correram mal, em que me acanhei ou não persisti. 

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Wee Hours

Os gestos simples não são assim tão  fáceis de reaprender. Exigem foco, atenção. Mas são o melhor dos programas.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

A Porta

Trabalho num lugar a que chamam a porta. Entro e saio todas as semanas, e como eu milhares.    Tocam-se ali a Estremadura, o Ribatejo, o Alentejo. Acho-me mais longe de Lisboa do que realmente estou, e isso às vezes sabe bem - muitas não. Será estranho, sentir falta de uma terra que não é bem nossa? Mais que esta será, para já.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

O mau do bom

Ser dos mais novos de um qualquer clã grande e unido garante infância boa. Garante também cuidados e perdas que parecem não acabar, nos anos do porvir.

Wee Hours

Ainda me surpreendo quando acolho uma resposta no exacto antípoda da esperada. Não me habituo, não sei porquê. Chegará a tempo de mim, o tempo de entender?

sexta-feira, 27 de junho de 2014

A Toalha

Deve haver uma designação para as pessoas que estimam os objectos até ao dia em que estes morrem de morte natural. Se essa inclinação é uma forma de animismo, uma cronopatia, não sei. Talvez isso não seja importante. 
As consequências de tal inclinação são variadas: ligeiro desfasamento geracional, senso inadequado do que dizer, vestir, fazer, etc. A mais divertida delas consiste numa vertigem de familiaridade causada por qualquer coincidência à qual só o próprio dá nexo. 
Ilustrando: Segue-se uma das personagens masculinas mais tristes da ficção televisiva do séc. XXI, Don Draper, e, a dado momento,
[Sad Men (quero dizer, podia chamar-se assim)]

À primeira oportunidade, a pessoa abre a gaveta da cómoda de família só para confirmar, e, bem,

,
[a toalha (e um sabonete Ach.Brito dos novos, laranja e tomilho, só para fazer prova de vida)]

time-lag, estão a ver?     

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Barreiro, Rua Padre Abel Varzim

Não nasci noutro lugar, nasci neste por causa dele, deles. Uns poucos de beirões entre alentejanos e algarvios a ver de vida melhor. Foi a vez da gente que dizia cuf sem pensar em hospitais  modernos e caros, antes em trabalho certo, condutado daquele enxofre que enchia tudo.

terça-feira, 3 de junho de 2014


[John Adams,Harmonielehre; Part III. Meister Eckhardt and Quackie, 1985]

Da Vida

É uma expressão que a minha geração não usa, entre outras, mais conceptuais ou coloquiais. Quando a leio ou oiço não consigo pensar em juventude, vitalidade, eficácia máxima; sempre que alguém me fala na força da vida só me ocorrem os que conheci em luta contra um qualquer mal terrível, forte, ganhando ou não.

Wee Hours

Para onde irão/os nossos gestos,/perguntas,/quereres/sem resposta?/Sumir-se-ão?/Galgarão o ar/em que  os  pousámos?

Staccata

Meses de semanas staccate, dias por uma hora de um lampejo concertante. Anos neste fraseio de vida próximo da fantasia. Doppio. Semplice.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Encarnejar

é um verbo muito conjugado lá na região onde trabalho. Pode ser fruto do embaraço, do entusiasmo, ou dos dois.

[Parabéns aos meus queridos adversários benfiquistas - touchée.]

terça-feira, 13 de maio de 2014

Strasbourg, Quai des Moulins

Caminhei por ali comigo há dias. Também se viam represas, barcaças, pontes. Não como cá, nunca nada como cá. Isto por mor do filme que fala do rapaz que queria partir. O mesmo que acaba com a rapariga a chorar e rir por atacado, como costumo fazer. 

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Per Diem

Na bainha do dia vai cabendo música, já não é mau. Tenho ouvido o que boa parte da Europa tem dançado, Stromae. Paul van Haver é do melhor que aconteceu à musica popular em francês, nas  últimas décadas. 

terça-feira, 6 de maio de 2014

Wee Hours

Tenho apanhado o ciclo Kazan, ao menos.

Modo Funcionário

É uma grande porcaria, não chegarem as horas dos dias para ler nem escrever. Embrutece o espírito mais depressa do que seria de esperar, emaranhado que vai ficando nas tarefas, das relevantes às mais comezinhas.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Wee Hours

A confiança é um risco de cálculo indeterminável. Só deixamos de ser simples espectadores dos nossos desejos quando a pomos em marcha.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Na Rede

Nenhum livro te obriga a leres uma página específica, nenhum jornal te exige incessantemente a morada para poderes continuar a folhear, nenhuma revista te proíbe de saltares um anúncio por pelo menos dez segundos. Pior que nos ad men e proprietários dos mass media clássicos, há uma maneira de estar abusiva neste miúdos de Silicon Valley.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

[Bleu, K.Kieslowsky, 1993]

Dia de reflexão no monte. Há que levar um símbolo, uma oração e algo de comer. Chega.
Passei a ponte a ouvir na rádio uma cantora falar sobre certo estudo dedicado às doenças causadas pelos livros que lemos. Germes, bacilos, bactérias, fungos. Estava à espera do salto óbvio, do contágio espiritual. Nada.

Na Estepe

Para evitarmos imagens foleiras quando tentamos falar do campo afectivo, bem podíamos usar terminologia geofísica.

Estendais

Sempre tive instinto prudente. Isto não basta como explicação desse mal que é o ensimesmamento,  a falta de coragem sentimental. De onde nascem estes receios de arriscar nos outros? Que medo é este, que doença é? No tempo em que os prédios tinham estendais não era tanto assim. Quem decidiu que as cordas da roupa desfeiam fachadas?

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Línguas

É difícil pedir, sobretudo a quem nada pede.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Wee Hours

Sinatra, o homem que dormia como um soldado, não deixou aforismos memoráveis. Imagino-o, nas horas a que chamava pequenas (nós, altas), à escuta de histórias vagas, com vagares em extinção, passando por adormecido.