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quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Lisboa, Via do Oriente

     Dois meses. Não sabia já o que esperara, para ser sincera. Elogios? Interrogações? Não sabia mesmo. Sentira tanta curiosidade sobre o que poderia acontecer. Algo, um sinal qualquer. Comentários, uma ou outra palavra.


E nada. 


Nada. 


     Ao cabo de nove semanas, apagou o giz líquido de uma assentada, em hora de ninguém dar por isso. Em final de dia corou, embaraçada pela pretensão. Porque haveriam de ler? De reparar? Têm mais que viver, ora. 

Que faz ela? Correções, correio? Está ali sempre, sempre, sempre.

     Essa ela organizava o dia. Revia o que fez, o que ouviu. Pensava no que poderia ter feito melhor. Agradecia com bastante força pequenas e importantes alegrias. Bebia chá. Sentia menos dores.

     Como sempre que assim é, sentia o corpo a acordar. De fronte, rentes ao rio, as máquinas amarelas (como o giz líquido já limpo, orgulhosamente retirado) abriam o seu próprio caminho. A paisagem passou a ser outra. Cargas e descargas, rega, terraplanagem. Ali dentro, o poema apagado no vidro nascera de uma dúvida boa, em dia de tempo melhor. Que procuravam os miúdos? Que faziam monte acima? Teriam saltado o muro?  A resposta possível, chamada "Fila Indiana", seguia assim:

Há luz

algum calor

galgam em ganga

a pequena colina

seguem

espantosamente

em fila

em flor

e há sol

e ao sol

uns dez,

dois anos depois,

deixam enfim 

atrás a espera

à primeira

Primavera.

1 comentário:

João disse...

Tão bonito. Não entendo porque não te aventuras na ficção literária. Tens talento de sobra. A tua escrita está muito além de "escrever bem."