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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

De que serve ler

Camilo em conversa com o seu grande amigo Ouguela tem sido ainda mais difícil do que esperava. É um carteado de coração na boca, muitos desabafos sobre maleitas próprias, o enlouquecer do filho, a morte súbita do enteado, os gostos e desgostos com 'tudo isso' lá de Lisboa, a neta pequena. Por isto fica a pessoa transida, quando por entre a escrita da tristeza cintila algo assim:

[Seide, finais de 1877]

(...) Este mau tempo, em aldeia, é pior que o inferno cristão, onde há o ranger de dentes, ainda mesmo para os que morreram desdentados. Imagina-me ou na cama ou no escritório, e as ramarias a rugirem como vagalhões de folhas e as vidraças a arquejarem, e eu a ver quando elas me fazem estilhaços na cara. Eu, se conhecesse um poeta bucólico, batia-lhe. Nesta casa só se divertem os patos que estão sempre em semicúpio nos tanques. Tenho um peru pequeno que treme de frio como um sabiá das trovas cariocas do Gonçalves Dias. Meto-o na cama comigo, e a Ana Plácido dá-lhe sopas de vinho para o aquecer.
(...) Depois, volto-me para os horizontes pardos onde as nuvens se retravam e despedaçam como grandes mastodontes, e pergunto aos céus de que serve ler.
(...)

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