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quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Contra o Modo Morto de Viver

«Por um singular mecanismo interior, cujo segredo a psicanálise poderá talvez desvendar, a sociedade teima em ensinar às criancinhas exactamente o contrário daquilo que pratica, sem reparar que pode haver uma ou outra que pode levar isso tudo a sério. O pior acontece um dia quando qualquer paizinho pacato, estabelecido ou não, resolve ter com o ‘maluco' do seu filho a tal conversa de homem para homem de que andava a fugir e que lhe sai normalmente nestes termos: "Tu és um idealista e a vida não é nada disso. Não é com essas coisas em que perdes o teu tempo que vais ganhar a vida e preparar o teu futuro. Deixa-te de politiquices e literaturas, porque não é com isso que resolves os problemas que te esperam no escritório. Precisas é de tirar o teu curso, tornares-te um homem e ganhares dinheiro para poderes casar e tratar da vida."
Este tipo de conversa é extremamente grave porque podemos estar a matar em alguém a fonte duma grande vida. Hoje estou certo que, se vivemos sem assumir na sua essência a nossa condição humana, - sem participar, sem amar, sem conhecer, sem criar, sem alegria ou sem dor – se dá, na economia duma história de homem, aquilo a que se chama ‘tempo morto’, 'tempo de homem morto'.»
António Alçada Baptista, Peregrinação Interior (...), Vol.1, Cap.8, 1971.

7 comentários:

Anónimo disse...

Bem... isso era em 1971.

Hoje, paizinhos há (e não são raros) que até gostam que os filhos sejam cantores, actores de telenovelas, modelos, jogadores de futebol...

Políticos é que talvez não, atendendo ao descrédito da classe, mau grado as mordomias.

Cláudia [ACV] disse...

Anónimo,

eu não decretaria um that was then desses ao que Alçada escreveu. Pelo contrário. Mutatis mutandis , a preocupação de qualquer progenitor minimamente protector da sua prole com a 'maluquice' à entrada da idade adulta (ou seja, com o afastamento de um caminho expectavelmente mais seguro) é hoje a mesma, senão maior. É evidente que há novos factores a considerar, que passam pela alteração e diversificação das relações pais-filhos, pela gestão diferenciada desde tipo de questões de grupo social para grupo social, etc. Mas acho que não se poderá dizer que o ingresso de um jovem na indústria desportiva ou do entretenimento tenha muito de comportamento 'desviante' no sentido em que o texto o concebe. A questão é outra: a de uma sociedade só se cumprir quando comporta gerações capazes de caucionar às que se lhe sucedem a capacidade de viver responsavelmente o risco, instrumento de crescimento, de aprendizagem. De criação.

Anónimo disse...

Homens mortos... há por aí tantos que é difícil encontrar os vivos!

Eduardo Marculino disse...

Parabens pelo Blog....estarei sempre visitando
um abraço

Cláudia [ACV] disse...

Dobra, Geografia,
blogocumprimentos :)

Samuel Filipe disse...

«El hombre, Monsieur Johnny, nunca tiene calor. Es docto, tranquilo. Agradece al cielo no estar muerto, ni en prisión, ni inmovilizado por una camisa de fuerza. Dispone de todo el tempo para morir una segunda vez.» El temor del cielo.

Quando li o seu post lembrei-me imediatamente desta passagem. Acho que iria gostar da autora, que já agora recomendo. Desgraçadamente admito e sofro de algum défice relativo a literatura portuguesa em favor de autores estrangeiros, nunca li Alçada Baptista. Ainda por cima um beirão.

Aproveito para agradecer a referência no Delito de Opinião. Idiossincrasia está muito bem para mim...

Cumprimentos.

Cláudia [ACV] disse...

Samuel, pode ser por tu, daqui em diante?

Obrigada pela citação: nunca tinha lido nada da Fleur Jaeggy.

Um abraço,
cláudia