Topete daqueles nunca havia visto. Nem deve haver outro, do Danúbio para cá. Se fosse só a cabeleira a figura passaria despercebida, tendo em conta a quantidade de gente singular que sempre frequentou a Biblioteca Nacional. Como lhe acrescia uma compleição alva e castrense, um cinto apertado acima do umbigo e um bigode basto, era impossível não registar a sua presença. Ainda mais no meio de tanto silêncio e imobilidade. Na falta do nome verdadeiro, o figurão de trinta e poucos anos era para nós o cossaco. Intrigava-nos o aspecto, claro, tão discordante da sua idade e do seu tempo, mas especulávamos sobretudo acerca do que faria ali alguém que se limitava a bordejar as prateleiras dos Usuais sem fins específicos, mãos atrás das costas, sacando este ou aquele volume. Estaríamos a assistir à forma de lazer de um herdeiro rico vivendo de rendimentos? Durante o tempo em que por lá andou habituámo-nos a vê-lo ler alguns minutos sobre Arte, bocejar, desentorpecer as pernas rumo à cafetaria e conversar em voz baixa com alguma colega ou conhecida; regressado à sala repetia o ciclo, saindo duas horas antes do encerramento.
Já ninguém dá por ele há muito, pelo que imaginamos que os tempos descuidados do nosso cossaco acabaram. Dirigirá agora os negócios da família com punho firme, secretamente saudoso do seu remanso na Sala de Leitura Geral?
1 comentário:
Atómica, pago-te um lanchinho se o encontrares por aí. A sério.
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