Parecer é mais fácil que ser. Assim nasceu a cinta, primaz do mundo da roupa interior reforçada e quase exclusivamente usada por mulheres. Apesar de ter algumas utilizações menos fúteis (compressão do ventre após um parto ou uma intervenção cirúrgica), existe para apertar o abdómen, glúteos e quadríceps de forma a suavizar a silhueta. Prosaicamente, a pessoa que a utiliza quer ficar bem [enfiar-se com sucesso] numa determinada peça de roupa. A coisa trabalha mais ao nível da cabeça do utilizador que da percepção externa, mas há muita senhora que não sai de casa sem ela, incorrendo em danos colaterais desagradáveis entre os quais se contam a indigestão, a celulite e a casa-de-banho ao sprint.
A cinta descende do espartilho, desenhado para entalar, mais que apertar, a mulher e/ou o travestido do Antigo Regime. É feita de poliamida, pode ser simples ou dupla, e aparece nas variantes branco, preto e cor-de-carne (aqui o cromo dificílimo é o bordeaux – quem é que compra uma cinta bordeaux?). Existe na forma de cinto gigante traçado sobre o abdómen (artigo unissexo; o único homem que vi com uma chamava-lhe, cito, protecção elástica para as costas), de uma cueca (por isso mesmo chamada cinta-cueca), de um calção de ciclista (cinta-calção ou cinta com perna) e de um fato de banho do início do XX (cinta inteira, combinação de soutien de cós alto + cinta com ½ perna). Nos dias que correm não há muitas mulheres com menos de 40 anos a comprar este produto, mas o nicho >/=55 anos compensa a disponibilidade do produto em qualquer ponto de venda. A cinta-cueca simples é a mais adaptada aos tempos, permitindo o uso de vestidos e saias sem o pneu evidente. Certa amiga minha, ex-adolescente gorducha, contou-me uma das últimas vezes que, nessa encantadora [ó, ó!] fase da vida, usou cinta-cueca. Os comes da boda de um casamento de família foram de tal modo entusiasmantes que a meio do entusiasmo se sentiu mal; perante a dificuldade de caminhar até à casa-de-banho, optou por ir atrás de um cortinado tirar a peça. Como não sei como era a iluminação do salão, nunca percebi se deu um espectáculo de sombras chinesas.
Era eu já uma tardo-adolescente com vários anos de experiência no ramo, quando tive desembrulhar uma cinta inteira dupla para uma cliente apreciar tamanhos. A senhora achava que tinha comprado anteriormente um 56 ou um 58, números regulam pela copa do soutien, e eu, solícita, tirei da caixa o primeiro número. Uma vez na vertical, o escafandro sem capacete quase se aguentou sozinho em cima do balcão. Isto não pode fazer bem à saúde, pensei, porque se dissesse em voz alta a minha mãe-patroa, não me podendo despedir, ainda me recambiava para casa a fazer um almoço de favas. Bleargh, favas.
1 comentário:
Confesso que eu até acho sexy o recuo de algumas décadas à roupa interior. Afinal, a fazer sofrer e fazer mal à saude, temos a comida, os saltos altos e as calças de ganga.
Cintas e afins estão ao mesmo nível, e tal como as más praticas que referi, a cinta também tem uma utilidade: Esconder as "desgraças" que a idade vai impondo.
Sim, sou a favor da cinta, do soutien de cós alto e da cinta inteira dupla. Já viu se gostassemos todos apenas do amarelo?
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