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sábado, 1 de fevereiro de 2020

Ferro Crómio Níquel

Tombado ao balcão, o café sobressaltou-a; o entendimento do porquê não lhe foi imediato. Distraiu-a, antes de mais, a emoção plástica no colega à sua direita. Um derrame visto não como um incómodo, um desperdício, antes uma emanação irisada, involuntariamente bela no seu castanho-cambiante,  metálico. Um valor a fixar em foto, prontamente frustrado pela competência sanitária da simpática auxiliar. 
A ocupação de fundo, porém, ali à sua esquerda, pressentia-a agudamente desde o primeiro dia, dispensava observação directa. Um súbito senso de reconhecimento a negro, passos ritmados, felídeos. Familiaridade física, comoção sem evidente razão de ser. Desse ao anterior sobressalto, um ápice: trinta e muitos anos antes, balcão tal qual, derramara com ímpeto café fervente sobre a sua própria roupa, até à carne. Observou então, por prova de vida, o topo interior do braço. Tantas vezes tomado por marca de vacina, na pele restou aquele círculo esbatido, como papel molhado por uma única gota de água.

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