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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Of Words and Men

Só um personagem [de um autor, M. Weiner] gravemente masculino poderia perpetrar esta afirmação. Como pode alguém nascer sozinho? Não pode. Ninguém nasce sozinho. Draper convence-se de uma ficção escolhida, dia após dia após dia. Ninguém nasce sozinho.

6 comentários:

Emanuel disse...

A minha fraquinha memória diz-me que já ouviu uma frase assim recentemente, qualquer coisa como "Os dois eventos mais importantes na vida de uma pessoa são passados sozinhos." Teria sido mesmo do Mad Man ou isso é tirado de outro sítio? De qualquer modo, não te percebi bem. Filosoficamente tenho que concordar com a afirmação.

Cláudia [ACV] disse...

É um pedaço de uma fala do Don Draper no primeiro episódio da primeira temporada (em que ele começa por dizer que o amor é uma invenção que homens como ele - vendedores de ideias - criaram para vender collants, se não estou em erro). Da última vez que ouvi este tipo de arrazoado ao vivo, enunciado num colóquio com um dos fundadores das Produções Fictícias (lá está), vim-me embora na hora. O Matthew Weiner (que também trabalhou nos Sopranos) trabalha muito bem a mundividência de certas personagens masculinas, e só fez eco de algo que se pensa e vive por aí, há muito tempo.
O que eu queria dizer no post é que esta maneira de viver/ver o mundo é que é radicalmente ficcional, por rasurar o facto de que ninguém nasce do nada, e que uma mulher, uma personagem feminina ,por fatalismo da natureza, nunca o diria assim. Até se pode viver ou morrer isolado, mas nascer não. O isolamento em vida (ma morte é imprevisível) é em boa parte fruto de como escolhemos viver, do que aceitamos ou rejeitamos.

Acho que não articulei a coisa muito melhor...

Emanuel disse...

Tens toda a razão, mas o meu comentário há pouco era no fundo um preciosismo filosófico ou teórico, e não uma maneira de ver o mundo, ou seja ninguém pode nascer por ti, no momento em que entras no mundo entras sozinha (a não ser que tenhas uma irmã gémea e que saiam ao mesmo tempo :) e mesmo quando se morre acompanhado, saimos da vida sozinhos.

Cláudia [ACV] disse...

Toda a razão não terei; apenas reajo epidermicamente a isto da individualidade fatal. É claro que somos indivíduos, mas a minha questão é precisamente a de que não estamos - nunca temos de estar totalmente - sós. Não se entra na vida sozinho porque alguém nos traz à vida (mesmo que morra nessa acção, como a mãe do Don Draper, mas não quero revelar mais do enredo...), e outro alguém participou da nossa feitura. De forma mais ontológica, suponho que a minha perspectiva denuncia a minha condição de crente e de mulher, é só isso.

abraço, emanuel

Emanuel disse...

Continuo a achar que a frase não tem necessariamente implicações humanistas ou religiosas, nem é incompatível com uma visão assim. É como dizer, usando uma imagem, que quando entramos não acompanhados numa sala com pessoas à nossa espera, entramos objectivamente sozinhos, mesmo não estando sozinhos.
Espero não ter contribuído para mais alterações cutâneas :)

Cláudia [ACV] disse...

Emanuel, acho que percebo o que queres dizer. Um indivíduo é sempre isso mesmo, e às vezes essa experiência é mais aguda ou mais radical do que noutras.