A baínha da pesporrência anti-aquilina está cheia de terra indesejada. O que dizem, tantas destas bocas em forma de avaliação de Aquilino, de Torga, de outros? Alguma coisa. E nessa alguma coisa há, por exemplo, o afastamento, a estranheza, a recusa da ruralidade. Há aquele tom do citadino que passa bem sem saber dos primos da província, e que passa melhor sem que o lembrem que também ele vem de lá. Esse tom, o do embaraço com um Portugal que se ignora, não o entendo nem o respeito.
3 comentários:
Muito bem.
Assino por baixo o "Muito bem".
Assinaria por baixo, e comovido, não fosse a mistura de alhos com bugalhos: Aquilino, sim, um dos raríssimos génios do romance português, intérprete dessa ruralidade que tantos hipocritamente renegam (a não ser quando pode aproveitar às campanhas eleitorais), e verdadeiro bunker da riqueza e variedade dialectal do interior do país. Agora, querer fazer de Torga um porta-voz dessa ruralidade que é a única coisa que ainda define uma identidade portuguesa, só mesmo por ingenuidade - a não ser que se deixe de fora o Torga poeta... Desde quando é que o tom grandiloquente, enfático e teatral da sua poesia está em sintonia com a vivência da ruralidade, sempre (como qualquer filho assumido e orgulhoso da terra e do interior poderá atestar) humilde, entregue ao movimento discreto das pequenas coisas, aos padrões, ritmos e texturas da natureza e dos homens!? Acaso a mitomania e a megalomania dos poemas de Torga, com aquele "Eu, Eu, Eu" até à náusea, está em sintonia com o sentimento de comunidade, de solidariedade e generosidade dos portugueses do mundo rural? Chega a ser um insulto para um transmontano (que é o que sou), aquela primeira pessoa sem cedências, aquela redução de um mundo tão valioso a uma só barriga inchada de épica, a uma questão verdadeiramente fracturante, mas de umbigo.
Para dar voz à ruralidade a literatura tem alternado entre dois "canais": o idílico ( bucólico e contemplativo, idealista e harmonioso) e o elegíaco (trágico, voltado para a meditação sobre a vita brevis e para o sentimento da perda: perda de um ente querido ou angústia perante o prospecto de um mundo em vias de extinção, como é o caso). E há poetas, lúcidos, que, à maneira de um Baudelaire exilado no campo, dão ou deram voz ao "spleen" e à "malaise" rurais, que nisto do sofrimento humano, da descida ao abismo, da ruína e do deserto, as cidades não têm exclusividade!!! Vozes da ruralidade? Assim de repente ocorrem-me o A.M.Pires Cabral (nascido em Vila Real) ou o Eduardo Guerra Carneiro (nascido em Chaves). E muitos são os poetas que honram, vivendo em Lisboa, a herança da ruralidade, como António Osório com o seu amor incondicional por tudo o que vive, ou até poetas mais jovens preconceituosamente reduzidos à experiência da náusea e da vertigem urbanas, ao quotidiano citadino, quando a cada passo revisitam a Aldeia, como Jorge Gomes Miranda ou José Miguel Silva – é só uma questão de conferir. Não me venham é cá com a pesporrência retórica e com a verborreia lírica do Torga, que de rural tem zero!!!
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